Com a pandemia de COVID-19 e os mais diversos reflexos nos setores social, econômico e jurídico do país, o Governo, ainda que minimamente, fomentou meios de conter as consequências frente a empresas e famílias, adentrando em aspectos possíveis a serem equilibrados mediante parâmetros da boa-fé e o dever de cooperação dos contratantes.
Nesse sentido, a previsão legislativa frente a formalização e flexibilização de renegociações de contrato das empresas, as quais são essenciais para a manutenção do pleno emprego no país, atentou ao cumprimento do pagamento de débitos fiscais e cíveis, impedindo, entretanto, que a onerosidade afetasse por completo o patrimônio da pessoa jurídica.
O Governo anunciou ainda, em abril 2020, uma série de medidas que suspendia ou modificava valores auferidos pelo Fisco, ampliando ainda prazos para pagamento e entrega de declarações. As medidas beneficiaram empresas, microempreendedores, trabalhadores domésticos e pessoas físicas.
Houve, entre as medidas inseridas nesse aspecto, a redução do IOF sobre operações de crédito, a prorrogação do pagamento do Simples Nacional, prorrogação do prazo para entrega e declaração do Imposto de Renda e a prorrogação da validade de certidões de
créditos e débitos tributários.
No cenário privado, difunde-se o disposto no artigo 393 do Código Civil, onde o devedor se isenta de prejuízos alheios a sua obrigação, definido pelo caso fortuito ou força maior, flexibilizando sua responsabilidade.
Torna-se importante salientar, nesse sentido, os ditames do artigo 478 também do Código Civil, o qual prevê a resolução do contrato quando este se torna extremamente oneroso a uma das partes em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, com a consequente aplicação da teoria da imprevisão.
A teoria da imprevisão possibilita a renegociação de contratos, aumentando prazo para quitação dos débitos e diminuindo juros, visando a manutenção das atividades da empresa, das prestações dos serviços e da entrega de produtos/mercadorias, no âmbito de todos os contratos, estimulando a economia do país e barrando efeitos irreversíveis causados frente ao COVID-19.
O mesmo ocorre nos contratos de locação comercial a flexibilização prevista pela Lei de Locação, frente a possibilidade de descontos e renegociação dos alugueis, evitando despejo e custos despendidos em ações judiciais. Dessa forma, beneficia-se o locatário, frente impossibilidade de dispêndio com mudanças e novo aluguel, e o locador, em um cenário de baixa procura por novas residências.
Com a declaração da pandemia feita pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 11 de março deste 2020 e a suspensão dos atos e prazos processuais pelo Poder Judiciário, até arrefecimento, tornou-se inequívoco a caracterização de força maior, lastreado o reconhecimento da impossibilidade do cumprimento de determinadas obrigações contratuais.
Nesse sentido, por meio de iniciativa do Conselho Monetário Nacional – CMN e a Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, os bancos disponibilizaram por meio de seus canais de atendimento físico e virtual a possibilidade de prorrogação de dividas pelo prazo de 60 dias dos contratos vigentes, estabelecendo condições que facilitem a quitação do débito pelo cliente.
Dessa forma, é necessária a formulação de meios que favoreçam novas negociações de dividas, à luz do artigo 421-A, III, do Código Civil, favorecendo a manutenção contratual em um âmbito de equilibro para as partes envolvidas. A liberdade e autonomia das partes de estipulação das condições de contrato reforça a necessidade de conciliação, baseado sobretudo na função social do contato.
Assim, em disposição da Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874 de 2019), este aspecto primordial possibilita a livre negociação entre empresas perante força obrigatória contratual em princípios de simetria e paridade. Além de possibilitar a revisão contratual de forma excepcional, garante a ausência de vícios ou nulidades destes, respeitado os ditames do ordenamento jurídico.
Ainda, a Lei 14.010 de junho de 2020 dispôs sobre o regime jurídico emergencial transitório das relações jurídicas de direito privado, suspendendo prazos prescricionais, aquisição para a propriedade por meio de usucapião e outras alterações dentro do limite da boa-fé.
Por fim, previsões de reajuste contratual, precipuamente pelo índice IGMP/FGV, cujo salto percentual acumulado no ano de 2020 foi de expressivos 23,14%, podem e devem ser contestadas judicialmente, a depender do contrato, o reajuste que deveria refletir, em tese, apenas a perda do poder aquisitivo da moeda, se trata de aumento expressivo de todo o contrato regido pelo índice.
No mesmo sentido, no ano de 2021, o IGPM/FGV continua expressivo, possibilitando sua alteração pelo IPCA ou outro índice análogo, mediante negociações, notificações ou ações judiciais, haja vista que o intuito do índice de correção e repor o valor da moeda, não gerar um enriquecimento ilícito.
Existem decisões judiciais suspendendo o reajuste de contratos pelo IGPM e substituindo por outros índices menos extravagantes, como IPCA ou o INCC, tendo em vista a discrepância do IGPM com a realidade econômica e fática.
Destarte, mediante disposição e responsabilidade concreta por parte de empresas, clientes e dos governantes, nota-se a necessidade do alinhamento de interesses comuns e igualitários.
Dessa forma, a renegociação de contratos vigentes possibilita a manutenção econômica das empresas e a geração de novos empregos, favorecendo o cenário brasileiro nos próximos anos, situação a qual o Judiciário tem dado guarida.
Ricardo André dos Santos
Advogado.
Sócio da Cândido e André Advogados. Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Universidade Cândido Mendes – RJ. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Santa Cruz do Sul – RS. Advogado atuante em todo o território nacional.